Ritual proibido transformou religiosos budistas em relíquias vivas de fé extrema
Monges jejuavam e bebiam veneno para preservar o corpo antes de morrer
No norte do Japão, turistas enfrentam longas viagens até templos onde é possível ver, de perto, 16 múmias de monges budistas conhecidos como sokushinbutsu. Diferente das múmias tradicionais, esses religiosos não foram preservados após a morte: eles iniciaram o processo ainda vivos, como parte de um ritual espiritual rigoroso que visava a iluminação eterna.
Durante seis anos, os monges seguiam uma disciplina severa. Nos primeiros três, alimentavam-se apenas de sementes e nozes, combinadas a exercícios físicos exaustivos, com o objetivo de eliminar gordura corporal. Nos três anos seguintes, passavam a comer apenas cascas e raízes e ingeriam chá feito com a seiva venenosa da árvore urushi — o que matava vermes internos e impedia a decomposição do corpo após a morte.
Caixão, silêncio e meditação no escuro total
Na etapa final, os monges cortavam totalmente a alimentação e consumiam pequenas doses de água salgada por até cem dias. Em posição de lótus, meditavam até o fim da vida. Quando o fim se aproximava, entravam voluntariamente em um caixão de pinho, no fundo de um poço. Do lado de fora, um fino tubo de bambu permitia a passagem de ar e um sino indicava que o monge ainda estava vivo. Quando o som cessava, o túmulo era selado com carvão.
Se o corpo resistisse ao tempo sem apodrecer, era considerado sagrado e o monge ganhava o status de Buda vivo. Caso contrário, era sepultado novamente, com respeito, mas sem veneração pública.
Kūkai, arsênico e legado espiritual
A inspiração para o ritual teria surgido no século IX, com o mestre budista Kūkai, cuja biografia o descreve como alguém que teria alcançado uma meditação tão profunda que entrou em “animação suspensa”, prometendo retornar milhões de anos depois para guiar as almas ao nirvana.
Apesar da prática ter sido proibida no fim do século XIX, há registros de monges que tentaram a automumificação até o início do século XX. Hoje, cerca de 28 múmias de monges foram preservadas, mas apenas 16 estão abertas à visitação. A mais famosa é a de Shinnyokai Shonin, no Templo Dainichi-Boo, no Monte Yudono. Outras podem ser vistas nos templos Nangakuji e Kaikokuji.
Pesquisas apontam que uma fonte da região, rica em arsênico, pode ter contribuído para a preservação dos corpos. O turismo na região atrai não só curiosos, mas também estudiosos e fiéis que enxergam nesses monges um símbolo de fé e renúncia levadas ao limite.